Advogados da Lava-Jato diversificam estratégias

23/02/2015 09h28

Maior batalha jurídica já travada no Brasil, a Operação Lava-Jato mobiliza ao menos 60 escritórios de advocacia no país, espalhados principalmente por Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Distrito Federal. As defesas dos executivos de empreiteiras presos em novembro estão coordenadas, mas se diversificaram em frentes distintas de atuação. Cinco fronts concentram o arsenal de estratégias jurídicas elaboradas até agora: delação premiada em casos pontuais com foco no abrandamento de pena, e teses como nulidade das mensagens trocadas por BlackBerry, investigação ilegal de políticos com prerrogativa de foro, denúncia de que os empresários sofreram extorsão e princípio da territorialidade. 

As estratégias de defesa são coordenadas por juristas e sócios de tradicionais bancas de criminalistas. Somente em Curitiba, sede das investigações que já resultaram em 18 ações penais por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa por desvios de recursos da Petrobras, ao menos 20 escritórios estão empenhados nas defesas de acusados e investigados. Os departamentos jurídicos das empreiteiras suspeitas de integrar o esquema de corrupção também participam das reuniões que estabelecem os movimentos dos advogados. 

“Este é um caso que mobiliza muitos denunciados e que não se limita ao direito penal, mas também afeta o direito público, o que a torna de uma abrangência sem precedentes”, comentou o advogado José Luiz de Oliveira Lima, que representa a Galvão Engenharia. 

Fatos divulgados diariamente sobre desvios de bilhões de dólares deram dimensão mundial ao caso. Mais de 50 pessoas que sequer foram citadas por delatores já constituíram advogados para acompanharem a operação, dizem fontes. “Tem cliente que não fez nada errado, mas passou por aqueles lugares [mencionados nos termos de delação premiada]. E aí te contrata para acompanhar o assunto”, diz um dos advogados que atua na Lava-Jato. 

Os executivos souberam que teriam problemas quando o doleiro Alberto Youssef foi preso, em 17 de março de 2014, em São Luís do Maranhão, diz um advogado de Curitiba. Ele afirma que foi procurado no dia seguinte ao encarceramento de Youssef e sinalizou que, com o grupo de procuradores do Ministério Público Federal (MPF) liderado por Deltan Dallagnol e com o juiz Sergio Moro, titular do caso na primeira instância, “a ‘coisa’ chegaria longe”. 

Os profissionais com banca em Curitiba dizem estar habituados ao ritmo “rápido” da trinca formada por MPF, Polícia Federal e Judiciário. “Não é só o caso da Lava-Jato, é uma característica do Paraná. Os delegados, os procuradores e o juiz não são diferentes dos outros daqui. É um lugar que não tem nem como fazer lobby. A gente avisa que conhece [os investigadores], mas que não adianta tentar nada além do que está no manual”, diz outro defensor. “A velocidade do processo eleva o preço dos serviços dos advogados, que precisam abrir mão de outras causas para atuar na Lava-Jato. Custa caro.” 

A rapidez com que o processo está correndo é um dos motivos de reclamação dos advogados de São Paulo e Rio de Janeiro acostumados ao trâmite mais lento das ações em Cortes paulistas e fluminenses. Os defensores vão a Curitiba conversar com os clientes – os executivos contrataram bancas nessas cidades, que por sua vez acionaram grandes escritórios em Curitiba para trabalharem na fase processual como correspondentes, ou auxiliares na elaboração da estratégia de defesa. São os advogados locais que visitam os presos durante a semana. 

De março a novembro do ano passado, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos foi o principal encarregado de formular linhas de defesa, encadeadas por notórios criminalistas do país. Também coube ao titular da Justiça, durante o mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, a interlocução política com órgãos de governo até a sua morte, ocorrida em novembro. 

“Márcio Thomaz Bastos dividia, coordenava os conflitos entre as defesas. Esperávamos a operação [contra executivos de empreiteiras] há oito meses. Ele coordenava, mas os investigados foram atrás de advogados para criar sua própria defesa técnica”, diz um defensor. 

No caso dos três executivos da Camargo Corrêa que estão em prisão preventiva há mais de três meses, o acordo de delação premiada começou a ser discutido logo após a deflagração da “Juízo Final”, em novembro. Entre os três presos, dois têm a mesma equipe de advogados e o terceiro conta com outro escritório coordenando os trabalhos. A pessoa jurídica – a empreiteira – tem um criminalista destacado para representar seus interesses. Integrantes do departamento jurídico da companhia estiveram nas reuniões sobre delação premiada com os procuradores da força-tarefa do MPF. No entanto, o acordo que chegou a ser “apalavrado” entre as partes minguou depois de interferências do governo. 

Os executivos ligados à UTC também negociam delação premiada, principalmente o presidente Ricardo Ribeiro Pessoa. Ele é acusado de ser o “coordenador” do cartel de empresas. Até agora nenhum representante de grande empreiteira virou delator. 

Mas tanto as defesas dos executivos da Camargo Corrêa quanto da UTC têm buscado outras saídas, como a tese lançada pela equipe que defende os dirigentes da OAS, de contestar as interceptações telefônicas feitas pela PF. 

Apelidada nos bastidores de “Teoria do BlackBerry”, os advogados tentam com a tese anular provas colhidas nos telefones dos presos. Alegam que não é possível comprovar idoneidade no processo de coleta das provas e que a maneira como a interceptação das mensagens foi feita fere os acordos de cooperação penal entre Brasil e Canadá, onde está a sede da RIM, dona da BlackBerry. 

Os questionamentos relativos à “Teoria do BlackBerry” foram usados pelas defesas de quase todos os acusados durante a fase de audiências com testemunhas da acusação, no começo de fevereiro. 

Os advogados também questionam a competência do juiz Sergio Moro para cuidar do caso. Dizem que, ao interceptar os telefones dos investigados, em 2013, a PF teria identificado ligações e mensagens trocadas entre o doleiro Alberto Youssef e deputados federais, fato que deveria ter sido comunicado ao STF – o que não ocorreu, alegam. Portanto, os advogados argumentam que houve investigação ilegal de políticos com prerrogativa de foro, uma terceira via de estratégia de defesa, e uma segunda maneira de tentar anular a operação ou retirá-la de Moro. 

A equipe de defensores da OAS descartou desde o início um acordo de delação para qualquer dos quatro executivos presos. É considerada a estratégia de defesa mais agressiva. “Eles plantam para colher nulidade lá na frente”, diz uma advogada que atua na Lava-Jato. “Quem cria a nulidade é a acusação, nosso trabalho é detectar”, diz um dos defensores dos executivos da OAS. 

Um dos investigadores da Lava-Jato considera “furada” a tese de que o fato de um parlamentar ter sido identificado no curso da investigação sem que tenha havido comunicação ao STF possa anular o processo e, por consequência, toda a investigação: “Vamos supor que isso tivesse ocorrido na Lava-Jato. O procedimento investigatório não seria totalmente anulado, somente o seria em relação à autoridade com competência de foro, que tenha surgido na investigação. Há jurisprudência de tribunais superiores nesse sentido”. 

A quarta frente de batalha da defesa, a tese de extorsão é encampada por advogados dos réus ligados às empresas Engevix, Mendes Junior e Galvão Engenharia. A estratégia teve início com a defesa da Galvão. Os executivos alegam ter sido vítimas de um esquema político que ameaçava a morte das empresas, caso elas não cooperassem com propinas aos funcionários da Petrobras. Teriam sido feitas ameaças tais como o veto à participação nos processos licitatórios da estatal ou dificuldades para receber valores devidos. Para ter êxito nos tribunais, a teoria precisaria desmontar a acusação de cartel destinado à combinação de resultados. Na defesa da Galvão, foi apresentada uma planilha cujo objetivo é comprovar que a empresa ganhou contratos dentro dos parâmetros de preços estabelecidos pela Petrobras. 

A estratégia vai na linha apresentada pelos defensores do doleiro Alberto Youssef, pivô da Lava-Jato. Seus advogados sustentam que o esquema de corrupção partiu de políticos em um sistema criado para a manutenção dos partidos no Poder Executivo, uma vez que o pagamento de propinas se dava também por meio de doação legal para campanhas eleitorais. E alega que Youssef nunca foi mentor desse esquema, e sim, uma peça na engrenagem. 

Advogados que atuam na Lava-Jato dizem achar difícil que a tese de extorsão se sustente, uma vez que as empresas e os executivos lucraram com dinheiro oriundo de licitações da Petrobras vencidas de maneira ilícita. A extorsão, portanto, não excluiria a responsabilidade dos executivos, dizem. 

A territorialidade das ações é um dos principais argumentos dos advogados do ex-diretor da área Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró. Segundo os defensores, o processo não pode correr em Curitiba, pois os crimes eventualmente praticados ferem a empresa que tem sede no Rio e, por isso, o foro natural da ação deveria ser a Justiça fluminense.

Letícia Casado, André Guilherme Vieira e César Felício – De Curitiba e São Paulo

Fonte: Valor Econômico – Política

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